Blog Gêneros Audiovisuais, de autoria de Álaze
Gabriel.
Autoria:
Selda Vale da Costa; antropóloga e pesquisadora de
cinema brasileiro. Professora de Ciências Sociais da Universidade Federal do
Amazonas.
Narciso Julio Freire Lobo é jornalista, estudioso dos fenômenos mediáticos. Professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas.
Narciso Julio Freire Lobo é jornalista, estudioso dos fenômenos mediáticos. Professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas.
INTRODUÇÃO
COM A INVENÇÃO da máquina que produzia imagens em
movimento, em 1896, na França, aventureiros deslocaram-se para diferentes
lugares do mundo buscando "vistas" exóticas para serem mostradas para
o público europeu, sedento por conhecer povos e paisagens, antes pintadas por
viajantes e cientistas e, depois, retratadas pela fotografia. A grande novidade
agora era que pessoas e imagens estavam em movimento. Nascia o cinema. A região
amazônica e seu grande rio estiveram, desde o início, sob o foco e enfoque
dessa nova engenhoca tecnológica.
A primeira sessão de cinema em Manaus deu-se em
abril de 1897, no Teatro Amazonas. Nas primeiras décadas do século XX, a região
foi percorrida por dezenas de exibidores ambulantes de empresas famosas como a
Pathé-Frères e a Gaumont, que realizaram tomadas da selva e do cotidiano das
cidades amazônicas, ao mesmo tempo em que estimularam o aparecimento de
inúmeras salas fixas de projeção pelos rios do Acre, Roraima e Rondônia. A
produção amazonense, entretanto, inicia-se apenas em 1907, com vistas
produzidas pela empresa Fontenelle & Cia que se constituirá, a partir de
1912, na maior proprietária de salas de cinema de Manaus.
Com apenas catorze anos, Silvino Santos, nascido em
Portugal, saiu de sua terra, em 1899, chegando a Belém e transferindo-se, em
1910, para Manaus, onde começou a trabalhar como fotógrafo. Logo foi atraído
pelo cinema, por caminhos contraditórios e transversos: J. C. Arana, um dos
maiores acionistas da Peruvian Amazon Rubber Company, acusado de promover
massacres contra povos indígenas da região, foi processado pelas cortes de
justiça de Londres e precisava apresentar material que mostrasse a sua
"verdade". Essa "verdade" não teria melhor suporte do que o
cinema, que mostraria a "realidade". Em Manaus, convidou o fotógrafo
Silvino Santos para a empreitada. Antes, porém, ele teria que aprender a
utilizar essa nova tecnologia. Foi mandado a Paris para estagiar nos estúdios
da Pathé-Frères e nos laboratórios Lumière e, em 1913, realizou o documentário
sobre a empresa no Putumayo.
Sensível, Silvino Santos não mais abandonou o
cinema, tornando-se documentarista e realizando centenas de pequenos filmes,
além de seu trabalho principal No paiz das amazonas (1922), destinado a
divulgar o Estado durante as festividades comemorativas do centenário da
Independência, no Rio de Janeiro, merecedor da Medalha de Ouro daquele evento.
Depois de toda uma vida no Amazonas, trabalhando para o empresário J. G.
Araújo, faleceu em Manaus, em maio de 1970, deixando doze documentários
produzidos na primeira produtora de cinema local, a Amazônia Cine Films
(1918-1920), dez curtas e três longas com exibição nacional e internacional,
além de três dezenas de filmes "domésticos", autêntica crônica
familiar da vida do empresário J. G. Araújo em Portugal e no Amazonas.
Com o declínio da borracha e dos negócios de seu
patrão, Silvino viveu muitos anos na obscuridade, sendo redescoberto, em 1969,
por ocasião de I Festival Norte de Cinema Brasileiro, realizado em Manaus. Tal
festival, na verdade, era resultado de forte agitação cultural iniciada com a
década de 1960, marcada por intensas discussões nos campos da política e das
artes. Esse movimento nascia do cineclubismo, onde os grandes diretores eram
revelados e objeto de polêmicas, suscitando novos candidatos a cineastas. Em
Manaus, surgem Normandy Litaif, com Carniça, premiado durante o I
Festival de Cinema Amador do Amazonas (1966), Ivens Lima, com Harmonia dos
contrastes, que rivalizou com o trabalho de Litaif, e Almir Pereira, com Claustro
escuro, todos em 1966, em 16 mm, e que nunca mais fizeram uso da câmera.
Nos dois festivais começaram a pontificar também os jovens cineclubistas do
Grupo de Estudos Cinematográficos, Felipe Lindoso, Roberto Kahané, Raimundo
Feitosa, Aldísio Filgueiras, Djalma Batista e Domingos Demasi. O cineclubismo
estimulou também a produção de uma revista de cinema, Cinéfilo
(1966-1968), do crítico José Gaspar. Márcio Souza, um dos teóricos do que ele
denominou de "Cinema amazônico", adaptou o romance A selva, de
Ferreira de Castro, para o cinema (1972). O grande projeto, a essa altura, sob
a liderança do cinéfilo Joaquim Marinho, era criar um pólo de cinema em Manaus,
estabelecendo ali uma indústria capaz de atrair financiamentos no rastro dos
primeiros anos da Zona Franca de Manaus. Esse projeto cultural não foi adiante,
mas nos anos de 1970-1990, a produção de alguns documentários e filmes
ficcionais contam com a co-participação do Estado, por meio de incentivos
financeiros e logísticos. Filmes como o longa Ajuricaba, o rebelde da
Amazônia (1976), do carioca Osvaldo Caldeira, ou o premiado Mater
dolorosa (1980) do amazonense Roberto Evangelista e O cineasta da selva
(1997) e Bocage, o triunfo do amor, ambos de 1997, dos amazonenses
Aurélio Michiles e Djalma L. Batista respectivamente, são exemplos dessa
parceria bem armada.
Em 1987, o governo promoveu também o Primeiro
Festival Internacional de Cinema Amazônico e, em 2001, criou a Amazon Film Comission,
que produziu frutos como Tainá I e II. Em 2004, realizou o
Amazonas Film Festival – Filme de Aventura.
A região prestou-se, no início, muito mais a um
cinema documentalista que ficcional, produzindo filmes de cunho
propagandístico, uma bem-sucedida relação entre turismo e imagem; quase sempre
um cinema fantástico, às vezes etnográfico, que acabou mais por encobrir que
revelar a realidade amazônica. A região e seu estranho mundo foram cenário
produzido em estúdios norte-americanos para mirabolantes imagens de monstros e
mundos históricos, caçadas perigosas, formigas, aranhas e piranhas gigantes,
índios canibais e caçadores de cabeças, recriando os mais desvairados mitos
sobre a região. Mesmo Glauber Rocha não escapou a essa atração quando, a convite
do governo militar, filmou com seu olhar visionário Amazonas, Amazonas
(1966). Mas, apesar da descontinuidade parecer ser a tônica da atividade
cinematográfica no Amazonas, o cinema (em película, vídeo e digital) produzido
nos últimos anos traduz a busca de uma linguagem amazônica e de uma estilística
mais sofisticada, mais universal.
BIBLIOGRAFIA
COSTA, Selda V. Eldorado das ilusões. Cinema e
sociedade. Manaus: 1897-1935. Manaus, Editora da Universidade do Amazonas,
1997.
COSTA, Selda et alli. "Cinema na
Amazônia". Revista História, Ciências, Saúde, vol. VI (suplemento),
set. 2000, pp. 1073-1123.
COSTA, Selda V. e LOBO, Narciso. Hoje tem
Guarany. São Paulo, Edições dos Autores, 1983.
_____. No rastro de Silvino Santos. Manaus,
Governo do Estado, 1987.
LOBO, Narciso J. Freire. A tônica da
descontinuidade. Cinema e política na década de 60. Manaus, Editora de
Universidade do Amazonas, 1994.